Organização e funcionamento do MOVA - POA.
Adriane Corrêa Ramalho - 0027/96-2
Meu objetivo será apresentar elementos básicos e iniciais para contextualizar e compreender o problema do analfabetismo em Porto Alegre.
Apresentarei um breve relato das atividades desenvolvidas pelo Movimento de Alfabetização de Porto Alegre. Sendo o objetivo maior do MOVA é reduzir, até o ano 2000, de 5,06% de analfabetos, dados do IBGE, para menos de 1%.
Porto Alegre ocupa uma área total de 471,52 Km2, compreendida por 85 bairros e uma densidade demográfica de 2583 habitantes/Km2. Para organizar a participação da população, a cidade foi divida em 16 regiões político-administrativas, tendo a partir de 1989 adotado o Orçamento Participativo.
Os principais elementos que demonstram a qualidade de vida dos homens que vivem em uma cidade estão vinculados ao atendimento das necessidade básicas em relação ao número de domicílios existentes.
O número de domicílios existentes em Porto Alegre é de 385412. Neles, o número médio de pessoas é de 3,25.
A composição etária da população é importante para que se dimensione sua força de trabalho. A população em idade de trabalho de 15 a 64 anos, em Porto Alegre, representa 66,4%. Indivíduos de 0 a 14 anos, 27% e acima de 65 anos são 6,6%.
A renda média dos chefes de domicílios em Porto Alegre é de 6,4 salários mínimos, sendo que as regiões centro, noroeste e sul tem renda entre 10,5 e 7,8 salários mínimos.
As regiões lomba do pinheiro, nordeste, restinga e extremo-sul tem renda entre 2,9 e 2,5 salários mínimos e estas mesmas regiões, apresentam as maiores taxas de analfabetismo.
Quanto ao nível educacional, 28,3% dos chefes de domicílio de Porto Alegre apresentam escolaridade de 1º grau incompleto. Outros 9,8% não tem a 4ª séries e 5% são analfabetos. Com relação ainda ao nível educacional, as regiões que apresentam a maior renda média de salários mínimos são as mesmas que tem mais anos de escolaridade. (dados obtidos no IBGE)
Em janeiro de 1997, quando se realizou em Brasília a Conferência Latino-americana de Educação de Jovens e Adultos, a UNESCO voltou a reafirmar sua preocupação em relação ao analfabetismo das mulheres. Segundo os dados, uma em cada três mulheres do mundo é analfabeta, enquanto que entre os homens esta proporção é de um em cada cinco. No Brasil, segundo o censo do IBGE de 1990, dos mais de 18 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever, 53% são do sexo feminino e 47% do sexo masculino.
O número de filhos por mulher é de 3. O percentual de mães adolescentes tem aumentado, em 1992 era de 7,7% e em 1995, de 9,2%.
Os domicílios cujo o chefe é mulher são 29%, destes, 2,3% são mulheres analfabetas. Além disto, do número total de mães, 49% tem o 1º grau incompleto ou são analfabetas. Ao contrário, o percentual de mães com maior instrução vem, ao longo dos últimos anos, diminuindo, passando de 12% em 1992 para 11% em 1995.
Os bairros com índice menor que 1% de analfabetismo entre as mulheres em idade fértil são Farroupilha (0,0%), Cidade Baixa (0,5%), Auxiliadora (0,7%), Bom Fim (0,7%), Centro (0,7%), Bela Vista (0,8%). Alguns bairros com altas taxas de analfabetismo são Marcílio Dias (27,9%), Ilhas (11,6%), Lajeado (11,3%) e Serraria (10,5%).
Há pelo menos duas razões para explicitar a maioria feminina entre os analfabetos, razões estas apoiadas fundamentalmente nos três papéis básicos desempenhados historicamente pelas mulheres: de reprodutora, de produtora e gestora da família. A primeira razão está na histórica obrigação com a administração da vida doméstica e a guarda dos filhos, que fez da educação das mulheres um objetivo secundário. Mais recentemente, com o agravamento da crise econômica, a mulher deixa de estudar cada vez mais cedo, para trabalhar e ajudar no sustento da família.
Para a French, o Movimento de Mulheres tem passado por diferentes etapas de superação destas problemáticas com os seguintes objetivos no sentido de afirmação dos direitos femininos.
A metodologia para alfabetização de mulheres no MOVA leva em conta essa realidade apontada pelo French. As mulheres são orientadas para dividir com os homens as responsabilidades do lar e do trabalho.
Os programas oficiais de alfabetização de jovens e adultos das últimas décadas fracassaram porque partiram de pressupostos autoritários e assistencialistas. Os jovens e adultos forma tratados como ignorantes, suas experiências de vida e de escola não forma consideradas. As campanhas trataram o analfabetismo com uma doença que precisava ser exterminadas, erradicada, no prazo mais curto possível. Os extintos e tão conhecidos MOBRAL e EDUCAR carregaram, nos conteúdos dos seus programas, um série de propostas discriminatórias. Não realizaram um investimento financeiro sério e transparente, nem tão pouco um planejamento pedagógico que respeitasse os saberes das classes populares.
Os caráter transitório dado às campanhas de alfabetização deixou profundas marcas de fracasso e exclusão naqueles que passaram por elas.
O MOVA – POA trabalha com dois princípios que, articulados entre si, dão a sustentação à construção da cultura de alfabetização na cidade de Porto Alegre. O primeiro princípio é o desejo de alfabetizar simbolizado na vontade política da Prefeitura em propor o aceleramento do MOVA. O segundo princípio do MOVA – POA é a alfabetização do desejo, a partir da realização de trabalhos pedagógicos nas salas de aula que criem novos objetivos no processo de alfabetização. Os alunos do MOVA – POA terão acesso ao SEJA para concluir o primeiro grau e Ter a vida escolar regulamentada.
A meta do MOVA – POA é atender até o ano 2000, 56000 pessoas das 69428 analfabetas.
Ao MOVA – POA cabe realizar uma alfabetização cidadã, cuja concepção está referendada em Paulo Freire, isto é, que a leitura da palavra seja precedida pela leitura do mundo e o apropriar-se da língua alfabética sirva para a transformação da realidade. O tempo de aprendizagem relativa respeitará o processo de cada aluno ou aluna do MOVA – POA.
O MOVA – POA terá como alfabetizador (a) educadores e educadoras populares porque se acredita que a relação que precisa ser construída entre os educandos e educadores é a da mais profunda parceira e identidade, já que a temática da alfabetização dará conta de ensinar a ler e escrever a partir do problemas, experiências, necessidade e sonhos daquela comunidade na qual está sendo inserida o MOVA – POA.
Os educadores populares são indicados a partir dos seguintes critérios:
1 – Ter, no mínimo, 1º grau completo;
2 – ser residentes em Porto Alegre;
3 – morar, preferencialmente, na comunidade;
4 – ser conhecedor da realidade da comunidade;
5 – se indicado pela entidade representativa da comunidade ou por uma instância que congregue a organização do bairro.
O número de educadores previstos para o ano de 1997 foi de 200, e mais 100 a cada ano, até o ano 2000.
Cada educador poderá atender de 15 a 40 alunos, uma vez que os mesmos vão concluindo a alfabetização e abrindo vaga para novas pessoas.
A formação dos educadores do MOVA – POA segue a seguinte organização:
1 – O MOVA – POA tem um grupo de apoio pedagógico – GAP, que conta com professores do SEJA e tem a responsabilidade de:
A organização das turmas do MOVA acontece através da relação que as entidades organizadas da sociedade civil estabelecerão com o MOVA que são estas:
1 – divulgar o MOVA nas regiões do Orçamento Participativo;
2 – contribuir com as entidades da região no sentido de localizar jovens e adultos analfabetos;
3 – encontrar espaços físicos para a montagem de salas de aula quando se torna difícil para comunidade/entidade.
4 – garantir a mediação e informações do MOVA para o SEJA – SMED e para o GAP;
5 – acompanhar as evasões que ocorreram, identificando as causas e tentando resgatar os alunos e alunas.
O caráter do MOVA – POA é comunitário e popular e sua implantação nas diferentes comunidade de Porto Alegre depende do envolvimento das entidades organizadas existentes na Cidade.
A alfabetização é vista como um processo que respeita as diferentes experiências e diferentes níveis de conhecimento de cada alfabetizando, o aprender a ler e escrever não vai acontecer com todos ao mesmo tempo, nem do mesmo jeito.
É importante que cada alfabetizador acompanhe bem de perto e registe de forma constante e detalhada o desenvolvimento de cada um dos alfabetizandos, para que possa perceber o tempo que os alunos levam e as situações que fazem com que aprendam. Só desta forma será possível avaliar, comparar a aprendizagem de cada aluno com ele mesmo e não com os outros, como se costuma fazer nas escolas em geral. O desenvolvimento da aprendizagem do aluno deve ser sempre a referência para avaliá-lo.
Ao longo de nossa história as dificuldades econômicas e sociais do país acentuam o fracasso escolar, porém, é inegável que a estrutura e a organização do trabalho pedagógico, o jeito de organizar os currículos, tem aumentado as dificuldades dos alunos e, como conseqüência, crescem os índices de repetência e evasão escolar, engrossando as fileiras de jovens e adultos excluídos da escola.
As classes populares, às quais os alunos do MOVA pertencem, dominam uma saber, produzem cultura, mas é papel da escola possibilitar uma análise profunda deste saber, questionar sua experiências, criar condições para o acesso a novas informações e auxiliar na (re) elaboração e (re) organização destes conhecimentos a partir do que há de comum entre estes saberes.
Para se apropriar da leitura e escrita do mundo e da palavra, o alfabetizando necessita de aprendizagens de todos os campos, todas as áreas do conhecimento humano.
Assim, também relaciona-se com o Sujeito – Alfabetizando nas suas diversas dimensões, na sua totalidade: é um Sujeito que pensa, que sente precisa e tem direito de conhecer e transformar o tempo e o espaço, circular com autonomia. É um Sujeito que deve e precisa conhecer a matemática para não ser por ela dominado. É um Sujeito que deve conhecer a arte e a cultura da humanidade para afirmar a sua cultura e sua arte enquanto trabalhador, que deve conhecer sua história e assumir-se enquanto sujeito que faz história.
A construção de conceitos, dos conhecimento em cada área é possível acontecer a partir dos papéis que cada campo do saber desempenha no conjunto, os conteúdos na escola tradicional são fragmentados seriados, para dessa forma, descontextualizar o "sujeito aprendente".
O currículo do MOVA para a alfabetização está organizado em TOTALIDADES DE CONHECIMENTO. Para assegurar a unidade do conhecimento, cada totalidade encontra-se inserida na seguinte, construindo com isto a visão totalizante e globalizante do movimento de ação-reflexão-ação, que denomina-se práxis. As TOTALIDADES DE CONHECIMENTO da Alfabetização estão assim organizadas:
A forma metodológica, o planejamento das atividades de aula é organizado a partir da realidade do grupo com o qual se estará trabalhando, e a construção do TEMA GERADOR, sendo assim o processo que possibilitará a efetivação de uma alfabetização que esteja baseada na relação conhecimento-realidade.
Para concretização de uma prática de alfabetização que considere os alunos como sujeitos capazes de produzir conhecimentos sobre a sua realidade e de transformá-la, é condição entender como acontece a alfabetização, como o alfabetizando organiza mentalmente a caminhada de construção também da escrita e da leitura.
Para chegar a este conhecimento, o aluno organiza uma lógica, uma seqüência no pensamento, iniciando tal lógica no como deve se escrever e o que deve ser usado para se chegar à escrita e à leitura.
São consideradas Hipóteses Cognitivas, quando o alfabetizando em um determinado momento supõe que uma palavra, frase ou texto se escreve ou se lê de uma determinada forma, estará colocando em prática, através da escrita ou da leitura uma hipótese, que pode ser confirmada ou não. Quando esta não é confirmada, o alfabetizando passa a elaborar outra hipótese, desenvolvendo um processo de construção do sistema de escrita.
Nos momentos em que o alfabetizando está escrevendo uma letra, palavra, frase ou texto e se pergunta, fica em dúvida, problemática, se desafia ou é desafiado, questionado sobre como se lê ou se escreve tal letra, palavra, etc., são momentos chamados de conflitos cognitivos. Assim, há necessidade permanente de desequilibrar as hipóteses cognitivas dos educandos, seja de leitura e da escrita da palavra, seja da leitura do mundo, para reequilibrá-las em níveis mais qualitativos. Neste sentido, a escrita da palavra e a compreensão do mundo seguem uma linha de evolução supreendente.
Este processo respeita os tempos individuais, considerando as diferenças do grupo. É necessário a intervenção do educador, no sentido de desafiar tanto o processo do indivíduo como do grupo, uma vez que aprender a ler e escrever é individual e coletivo.
Os alfabetizandos, ao iniciarem seu processo de alfabetização, encontram-se num nível de conhecimento da língua escrita e ao interagirem com seus pares, junto com a intervenção construtiva do educador, realizam trocas cognitivas, avançando na elaboração da escrita e da leitura.
No espaço entre as hipóteses inicias e as escritas corretas, há um longo processo de evolução, onde o alfabetizando construiu hipóteses a respeito das mesmas, dedicando grande esforço intelectual. Neste caminho, o alfabetizando vai resolvendo problemas e criando novos tornando a aquisição da estabilidade da escrita e da leitura uma conquista em que alguns levam menos tempo, outros mais.
O papel do educador não é o de fornecer respostas prontas e imediatas, pois o saber tem que ser reestruturado pelo sujeito que aprende. E, respostas prontas não respeitam os diferentes cominhos que cada aluno percorre na sua aprendizagem da leitura e da escrita.
A educação popular, coloca o desafio de olhar a alfabetização como compreensão do mundo como uma tomada de consciência das contradições presentes na leitura do mundo, para nele agir na busca de sua transformação.
A interdisciplinariedade do MOVA – POA envolve relações de parceria que remetem a reflexão e teorização da prática do coletivo, pois trabalha-se na construção da identidade e autonomia de cada grupo, através do diálogo aberto, da disponibilidade para aprender e ensinar, estando em constante e sistemática interação construindo o caminho ao caminhar juntos pelo discurso neoliberal que possui significado de partilha solidária, que requer abertura, humildade e compromisso de todos para um projeto de alfabetização que constrói cidadania, portanto busca a transformação da sociedade de classes.
A interdisicplinariedade no MOVA – POA não é vista apenas como um remédio para os males do processo de ensino e aprendizagem, mas é entendida como outra lógica que traz riquezas de possibilidades de articulação dos conhecimentos, que supera o corte do saber prático/saber teórico, instaurando uma nova relação entre educadores e educandos. Constitui-se como uma nova pedagogia, capaz de restituir vida nos processos de ensino e aprendizagem.
O caráter dialético da realidade social remete a explicar as múltiplas determinações e mediações históricas que constituem os fatos. O MOVA – POA busca no tema gerador, situações que norteiam o trabalho de sala de aula.
Para o MOVA – POA o trabalho de sala de aula deve ser constantemente refletido teoricamente. Portanto, a postura dos professores deve ser de pesquisadores que estão abertos para o novo, pois, a interdisciplinariedade combina com ousadia e a humildade, vontade política e intencionalidade metodológica, onde as diferentes disciplinas convivem em projetos interdisciplinares, aceitando a legitimidade de cada uma, tanto no sentido sócio-histórico quanto na produção de conhecimento.
O processo dialógico caracteriza a avaliação, pois é através do diálogo que se dá a relação ente educador e educando, sendo condição transformadora. Avaliar consiste no levantamento de concepções e reações acerca do que está sendo estudado. A avaliação é submetida a negociações entre as partes envolvidas, que tem por objetivo a formação de valores que constróem uma consciência acerca da cidadania.
No MOVA – POA a avaliação é diária e a freqüência não é obrigatória, e sim um compromisso grupal. O esquema de seriação desaparece, cedendo lugar às Totalidades de Conhecimentos e a relação de conteúdos dá lugar à construção de conceitos a partir de Campos de Saber.
Criação e critério entendidos como formulações próprias de hipóteses por parte do alunos, as quais necessariamente encontram-se fundadas em dois pólos dinâmicos, sempre presentes e muitas vezes contraditórios/tensos: o universo de informações, teorias e inter-relações de conceitos que compõem da visão de mundo particular do aluno, de um lado, e de outro, a visão de mundo universalizada no âmbito da disciplina científica de que se trate.
Desenvolvi esta pesquisa com o objetivo de entender um pouco mais deste Movimento que tem como finalidade uma coisa de grande importância na vida de qualquer cidadão, a alfabetização. E o meu objetivo foi alcançado e espero que eu tenha conseguido transmiti-lo.
Não fiz nenhum tipo de questionário para ser utilizado nas minhas saídas a campo, por ter experiências anteriores, que um bom bate papo neste caso é muito mais eficiente, pois as perguntas pré estabelecidas, não fornecem o mesmo resultado que uma conversa numa roda de chimarrão.