UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISCIPLINA: EDU 03329 - Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º graus
PROFESSORA: Nalú Farenzena

TÍTULO: A Merenda Escolar no Brasil
ALUNA: Maria Helena Salle de Carvalho
N.º DE MATRÍCULA: 1389/73-6

INTRODUÇÃO
    A partir de leituras de artigos sobre a merenda escolar ("Em Aberto", MEC, ano 15, n.º 67, jul./set. 1995 - vide bibliografia), nos quais teve a oportunidade de conhecer os estudos e o trabalho desenvolvido por Marisa Abreu, Ricardo B. Ceccim nesta área, me auxiliaram a definir o foco da pesquisa e também a me apaixonar pelo assunto. A concepção e a finalidade da merenda escolar foi o assunto que mais me interessou e no qual me aprofundei, para isso achei importante o contato direto com um dos especialistas no assunto e, tive a sorte de conseguir uma entrevista com Marisa Abreu - representante da FAE (Fundação de Assistência ao Estudante) no RS até Fevereiro de 1997. Na apresentação dos dados transcrevo esta entrevista, a qual gravei simultaneamente. Esta conversa foi fundamental para a definição de meu objetivo e como confirmação de uma filosofia social, que é a preocupação desta especialista a qual sintetizei no item a seguir:
    Construção da Política Brasileira de Alimentação Escolar - a construção de políticas públicas como garantia dos direitos elementares do cidadão faz parte, do compromisso de todos que estão comprometidos com a consolidação da democracia e a eliminação das injustiças presentes na sociedade contemporânea.
    No campo educacional, a construção de uma escola pública de qualidade é o desafio com que se defrontam os educadores comprometidos com a superação das desigualdades sociais presentes na sociedade brasileira. É o momento de reverter os altos índices de evasão e repetência que caracterizam o sistema educacional brasileiro, e também de construir uma escola que se torne a garantia do acesso aos conhecimentos básicos para os segmentos menos favorecidos da população. E com isso, destacar o lugar da educação como dispositivo da escola para o agenciamento de modos de vida, sociabilidade, singularidade e solidariedade.
    A merenda na escola pública é afirmativa de tudo isso, na medida que assegura um melhor rendimento escolar. Não se resolvendo a condição de desnutrição e conhecendo-se os efeitos da fome, tanto sobre a disposição de aprendizado quanto sobre o sentimento de cidadania, caberá à escola oferecer uma merenda nutricionalmente adequada e na forma de refeição coletiva, em horário propício, para assegurar uma melhor disposição infantil aos desafios da aprendizagem.

HISTÓRICO:
    Até a década de 50 inexistia qualquer proposta sistematizada de merenda nas escolas. As escolas organizavam, através de iniciativa particular de cada unidade, suas caixas escolares, que forneciam alimentação aos alunos, (todos, ou apenas os carentes, de acordo com a escola). Em todas as escolas, a caixa era mantida por contribuição voluntária dos alunos que podiam contribuir e firmas locais. A proposta das caixas era, eminentemente, de cunho assistencialista, imprimindo um significado especial, classificatório, à expressão aluno da caixa.
    Na década de 50, com o fim da guerra da Coréia e a supersafra americana, ocorre um excedente agrícola nos Estados Unidos, que é doado à Unicef. Parte dessa doação é destinada ao Brasil, onde é direcionada aos programas de suplementação alimentar, vinculados ao Ministério da Saúde. É neste contexto que é instituída, em 31/03/1955, através do Decreto n.º 37.106, a Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE), mais conhecida como Merenda Escolar.
    A merenda é criada, assim, enquanto programa oficial, como mais um programa de suplementação alimentar. Esse caráter é explicitado em seus próprios objetivos, em que se destaca o primeiro: melhoria das condições nutricionais e da capacidade de aprendizagem e conseqüente redução dos índices de absenteísmo, repetência e evasão escolar. Os demais objetivos são: aumento da resistência das crianças às infecções; melhoria dos hábitos alimentares dos escolares e das condições de ingresso às escolas, através da proteção aos pré - escolares.
    A partir daí, ocorrem mudanças no programa, algumas apenas no nome do organismo responsável, outras propondo a descentralização e uso de alimentos in natura. Entretanto, até hoje, persistem os mesmos objetivos de 1995.
    A merenda escolar é algo natural em ambientes escolares e que, no Brasil, ela assume uma dimensão social devido à pobreza da população.
    Desde o regime militar a escola foi esvaziada de uma política educacional destinada aos setores populares, transformando-se em espaço de práticas assistencialistas. Essa política assistencialista dos últimos 20 anos desenvolveu-se às expensas da educação, pois, até a Constituição de 1988, a merenda escolar era financiada com recursos destinados, nos orçamentos públicos, à educação. A luta por verbas para a questão do financiamento do programa foi resolvida, em nível legal, pela Constituição Federal de 1988, que dispõe:
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%, no mínimo da receita resultantes de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§4º. Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.
Assim encaminhada a questão do financiamento da merenda escolar, pode se definir em relação ao objetivo do programa em sua totalidade: a impossibilidade do programa da merenda escolar atingir seu objetivo formal, quando se verifica (se verifica no próprio texto legal), uma proposta de atender 15% das necessidades nutricionais diárias dos escolares matriculados na rede oficial de ensino do 1º grau.
Em 1990, a FAE torna a incluir em seus objetivos do PNAE:
- Elevar o níveis alimentares e nutricionais dos estudantes...visando a melhoria do seu rendimento escolar e redução de evasão...
No Relatório Anual de 1994, a FAE volta, a afirmar que o objetivo do PNAE é:
 - Aumentar os níveis de alimentação da criança com vistas ao seu melhor rendimento escolar...(atendendo) 15% das necessidades nutricionais diárias. (FAE, 1995 A, p.14)

ENFOQUE:
    É possível deduzir que, apesar do discurso oficial, a merenda escolar no Brasil - na medida em que busca suprir apenas 15% das necessidades diárias, independente do nível sócio - econômico dos alunos - na prática só pode atender a conhecida "fome do dia", entendida como um entrave à concentração necessária à aprendizagem, portanto grande obstáculo à permanência da criança na escola.
    A mentalidade subjacente à criação do programa de merenda escolar é claramente de ordem assistencialista e voltada para problemas da esfera da saúde. Torna-se claro, ainda, a concepção dominante, segundo a qual as crianças não aprendem na escola por serem desnutridas, mas são desnutridas por terem hábitos alimentares inadequados. Essa mentalidade permeia, ainda hoje, as falas oficiais sobre a merenda.
    Ao contrário dos países em que a merenda surge como projeto destinado a suprir a necessidade fisiológica de todas as crianças (desnutridas ou não, pobres ou não) de se alimentarem a intervalos de 4 horas, no Brasil, a merenda surge propondo-se a erradicar (ou diminuir) a desnutrição e, daí, a minimizar o fracasso escolar. Nos demais países, é o reconhecimento de direitos das crianças; no Brasil e demais países da América Latina, assistência a pobres e ignorantes.
    Essa concepção imprimiu - e ainda imprime - uma marca particular ao programa de merenda no Brasil. As discussões centram-se sobre um mero programa assistencialista de suplementação alimentar que para muitos nem deveria estar na escola. A CRIANÇA E SEUS DIREITOS, QUE DEVERIAM SER O OBJETO PRIMORDIAL, PERMANECEM, MUITAS VEZES, À MARGEM DA REFLEXÃO.
 

FATORES:

1- Desnutrição: No Brasil, tem ocorrido um processo de medicalização do fracasso escolar, ou seja, de busca de causas individuais e biológicas para as dificuldades de aprendizagem dos estudantes. A escola exime-se da responsabilidade pelos altos níveis de evasão e repetência do sistema educacional brasileiro, e a desnutrição torna-se responsável pelo fracasso escolar.
    Em 1º lugar é preciso identificar de que tipo de desnutrição se está falando. A alimentação inadequada resulta em desnutrição, determinada pela falta de recursos financeiros para a aquisição de alimentos na quantidade necessária ao desenvolvimento do organismo. Não existe comprovação científica para uma relação de causa e efeito – desnutrição = fracasso escolar.
    Desnutrição grave é aquela que atinge as crianças no início da vida – do período pré – natal aos 2 anos de idade -, provocando sérias lesões no sistema nervoso. Nesses casos, a maioria das crianças morrem e, quando sobreviventes, raramente chegam a ingressar na escola. Quando ocorre em graus menores ou inicie após os 2 anos de vida, trata-se de uma desnutrição leve, que não interfere no sistema nervoso e não provoca lesões irreversíveis que impossibilitem a aprendizagem.     Nesses casos, o organismo sacrifica seu crescimento para manter o equilíbrio metabólico do corpo.
    Ao tentar identificar os efeitos da desnutrição sobre a aprendizagem, enfrenta-se um impasse metodológico, pois não é possível analisar esses efeitos isolando a desnutrição da realidade socioeconômica que a determina. Decorrente da pobreza, a desnutrição faz parte de um complexo de doença social, onde a ela se somam precárias condições de habitação, saneamento básico e saúde, além de baixos índices de escolarização dos pais.
    É importante assinalar que, entre os escolares no Brasil, encontram-se altas taxas de desnutridos, mas trata-se de crianças com desnutrição leve, que conseguem se manter em equilíbrio, mesmo com falta de alimentos. Não havendo comprovação da interferência da desnutrição no desenvolvimento cognitivo, sabe-se que a fome interfere na aprendizagem. Enquanto a desnutrição grave provoca lesões no sistema nervoso, a fome é, ao contrário, uma situação transitória ou potencialmente transitória, que não provoca lesões irreversíveis, mas que dificulta a realização de qualquer atividade do ser humano. É a chamada fome do dia, com a qual é tão difícil aprender quanto com frio ou com vontade de ir ao banheiro.
    A partir dessas constatações, é preciso questionar a merenda escolar. Em primeiro lugar, é necessário desvinculá-la dos falsos e inatingíveis objetivos de constituir-se em solução para a desnutrição e o fracasso escolar. O problema deve ser encarado como a merenda escolar existe como algo natural em um ambiente onde existem criança que, sendo crianças sentem fome, superando a concepção segundo a qual a merenda existe porque as crianças são pobres e podem ser desnutridas.

2- Importância do Estado Nutricional – a partir da realidade descrita, vários estudos demonstram que a merenda escolar pode, sem promover mudanças no estado nutricional das crianças, influenciar positivamente no rendimento escolar, pois agindo sobre a fome do dia, aumenta a capacidade de concentração nas atividades escolares. Assim, a merenda permite não sentir fome durante a aula, tendo efeito saciador da fome durante o período de 4 horas em que a criança permanece na escola.

3- Rejeição dos educadores – os educadores reagiram muitas vezes ao programa de merenda escolar, porque o identificavam como entrave ao ensino. A escola não é restaurante nem centro de saúde – está frase sintetiza a reação. Em vez de lutar para redimensionar o programa da merenda, os professores muitas vezes passaram a se opor à existência do programa. Ao se posicionarem assim, não estavam percebendo a merenda como um direito da população, no Brasil, tornando-se imprescindível. Embora se constitua em medida paliativa que não resolve o problema social da desnutrição, a merenda escolar precisa ser mantida e melhorada, pois não se pode permitir que a criança sinta fome durante as aulas e, para muitas pessoas que vivem na miséria, a merenda pode representar o limite da sobrevivência.

4- Descentralização -  a desvinculação da merenda de falsos objetivos de solução para a desnutrição e o fracasso escolar e a definição de verbas para a merenda diferenciada das verbas para a educação – estão, ao menos parcialmente encaminhados: o 1º ponto de vista teórico e o 2º do ponto de vista legal. Os outros dois referem-se à necessidade de respeitar os hábitos alimentares da população, incorporando-se à merenda alimentos in natura produzidos e adquiridos no local, e a importância de integrar a merenda ao processo educacional, implementando-a como uma das atividade pedagógicas desenvolvidas na escola.
    Portanto, a descentralização do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), a chamada municipalização da merenda escolar transferiu de fato para os municípios a deliberação, o planejamento, a execução e a capacidade de decisão deste programa. A partir de orientações técnicas de ordem geral, relativas aos requerimentos nutricionais, e de listagem de gêneros que a FAE não aceita que sejam adquiridos com os recursos por ela repassados, são os municípios que elaboram os cardápios  a serem oferecidos aos seus alunos na merenda escolar
    Desta foram, criam-se de fato as condições não só para o respeito aos hábitos alimentares locais e para a incorporação de alimentos in natura à merenda, mas também para a reflexão sobre o papel que a alimentação escolar desempenha: elemento estranho à escola ou atividade pedagógica integrada ao currículo?
Escolarização outra forma de descentralização da merenda, a FAE distribui os recursos às Secretárias Estaduais de Educação que repassa diretamente à direção de cada escola. A própria escola faz as compras. Com estes padrões de descentralização, o sistema de alimentação escolar no Brasil tornou-se mais eficiente.

5- Defasagem – em visita às escolas da rede pública de Porto Alegre foi constatado, em primeiro lugar, que a merenda não é servida ao conjunto dos alunos matriculados na rede pública de ensino, como prevê o programa – não porque não lhes seja oferecida, mas porque nem todos os escolares recorrem ao serviço da merenda. Nas escolas estaduais visitadas, entre elas um CIEP e um CAIC, estabelecendo a relação entre o n.º de matrículas e o n.º médio de refeições servidas, encontramos uma média de 35% dos escolares atendidos. Nas escolas municipais visitadas, essa mesma relação corresponde ao percentual médio de 70% de alunos atendidos.

SISTEMAS:
    1- Programas Focalizados: são focalizados quando atendem parcela da população, selecionam seus beneficiários a partir de critérios sócio – econômicos. Entre os países da América Latina que possuem programas focalizados, Argentina e Chile desenvolveram sofisticados modelos de focalização de abrangência nacional, enquanto nas outras nações observadas predomina a utilização de regiões como critério de focalização (regiões mais pobres do país ou meio rural), sendo que em alguns casos combina-se aplicação de critérios regionais com indicadores sociais.
    2- Programas Universais: são universais quando atendem a todos os membros da parcela da população a que se dirigem (por exemplo: todas as crianças, todos os alunos ou idosos) ou são focalizados quando dentro dessas parcelas, selecionam seus beneficiários a partir de critérios sócio – econômicos. Entre os países da América Latina observados, apenas o Brasil e o Uruguai desenvolvem programas universais de alimentação escolar; nos demais países, esse programas são focalizados.
    3- Análise desse sistemas: a questão universalização x focalização dos programas sociais constitui-se em tema central de uma análise comparativa entre esses 4 últimos países latino – americanos. Enquanto na Argentina e no Chile desenvolvem-se modelos sofisticados de focalização, através do uso de critérios científicos e recursos tecnológicos, no Brasil e no Uruguai desenvolvem-se programas universais que, são questionados. No Uruguai, há divergências entre o pessoal técnico do Departamento de Alimentação do Ministério da Educação, que defende a focalização do programa e o pessoal docente defende permanência do caráter universal do programa. No Brasil, a insuficiência de recursos em face da extensa agenda de benefícios sociais, garantidos na Constituição Federal de 1988 e em outros documentos, recoloca o debate sobre a focalização das ações assistenciais do governo. Em relação à merenda, proposta à emenda à Constituição, enviadas pela Presidência da República ao Congresso Nacional em outubro de 1995, reforça “a prioridade para a população de baixa renda”, garante como dever do Estado “o atendimento do educando, no ensino fundamental, através de material didático – escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Essa mudança não acarreta, necessariamente, mas possibilita, do ponto de vista legal, a revisão do caráter universal do programa de alimentação escolar no Brasil.

POLOS DE APLICAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL:
1- Nas escolas municipais de POA todas localizadas na periferia da cidade, em bairros e vilas populares, a merenda é servida em refeitórios, em horários destinados à alimentação, que não se confundem com as aulas ou com o recreio. Nas escolas municipais regulares de 1º grau, são oferecidas aos alunos duas refeições: uma doce e uma salgada. A doce é servida no horário de entrada na escola para os alunos da manhã, e para os alunos do período da tarde no meio do turno – consiste um café ou batida com pão/bolacha e uma fruta com as devidas variações. A refeição salgada – no esquema arroz-feijão-carne-salada-sobremesa – é servida ao final do turno da manhã e na entrada do período da tarde. Nas escolas infantis e especiais, ambas em turno integral, servem-se de quatro refeições. Come-se a refeição salgada em pratos com garfo e faca, no sistema de buffet. Em toda a rede, os alunos vão ao refeitório em escalas organizadas por turmas – comem, portanto, com seus colegas, sendo os menores acompanhados pelos professores.
2- Em relação às escolas estaduais visitadas em POA, verifica-se uma grande variedade no que se refere ao serviço de alimentação escolar, principalmente quando se compara com a rede municipal. Os estabelecimentos do Estado distribuem-se em várias regiões da cidade, desde bairros e zonas centrais até a periferia urbana.
    Quanto à merenda, primeiramente, constatamos que o local onde ela é servida, é muito diferenciado: desde a escola onde os alunos recebem o lanche em fila, em pé, e comem no pátio, sem lugar adequado para sentar, até o refeitório adequadamente equipado, passando por várias situações intermediárias. Onde não há espaço próprio para alimentação, surgem duas alternativas: as refeições servidas ou no pátio, saguão, em outro local de uso coletivo da escola, ou na sala de aula – opção que muitas vezes encontra a resistência dos professores, pois deixa a sala suja. Cerca de 40% das escolas estaduais de POA possuem refeitório e esses refeitórios são muito diferentes entre si: pode ser uma sala de aula com mesas e cadeiras, onde algumas crianças, não todas as que merendam, entram para fazer o lanche, ou pode ser um amplo refeitório construído para esse fim, com móveis apropriados. Em uma escola, o refeitório deixou de existir para ser transformado em sala de aula; em outra, ao contrário, uma sala de aula foi modificada para ser refeitório. Entre as situações intermediárias, encontramos aquela onde na entrada da escola – local de passagem, espaço amplo que serve que serve para recreio em dias de chuva – foram colocadas mesas e bancos para o momento da merenda escolar.
    À variedade de refeitórios corresponde igual a variedade de cozinhas e equipamentos. Mais constante é a falta de funcionários em número suficiente para desempenhar a função. Paralelo a isso, na rede estadual de ensino em POA serve-se apenas uma refeição (com exceção dos CIEP’s e CAIC’s) no meio do período de permanência do estudante na escola. São  refeições doces – café com leite e bolacha, mingau, canjica, etc. – alternadas com refeições salgadas – massa com sardinha, arroz carreteiro, galinha com polenta, etc. – predominam o uso da colher e a utilização de canecas e cremeiras, embora também se usem pratos. A hora da merenda é compartilhada com os colegas da aula e com o acompanhamento dos regentes de classe.
    Portanto, não só não há uma unidade de execução do programa da merenda nas escolas estaduais de POA, como não existe uma política de alimentação escolar. Assim, a merenda parece continuar funcionando tal como foi implementada em momentos anteriores e a ausência de uma proposta clara de trabalho formulada e coordenada por órgãos centrais da administração da educação faz com que a forma e o conteúdo como a merenda é implementada nas escolas passe a depender da boa vontade daqueles que são responsáveis diretos na ponta do sistema.
3- Nas escolas onde o envolvimento de todos garante um atendimento de melhor qualidade, o número de refeições servidas em relação à matrícula é maior do que outras escolas: em uma escola onde, por exemplo, há refeitório e os professores acompanham os alunos menores na hora da merenda, esse percentual atinge 78%, bem acima da média da rede pública.
    Na realidade, a ausência de política é também uma política. Talvez das mais perversas, pois transfere para a comunidade escolar a responsabilidade pela organização e qualidade do serviço oferecido. Assim reinventa-se no sistema educacional a diferença legitimadora da desigualdade. Dessa forma, ao administrar uma rede desigual e não formular uma política clara para garantir um mínimo de qualidade, o poder público deixa de cumprir o seu papel  de equalizador das oportunidade sociais.
    Concluindo, a alimentação escolar da rede estadual parece continuar a padecer dos males de uma execução centralizada do programa, enquanto, na rede municipal, é possível constatar as novas condições criadas por uma administração descentralizada da merenda.
“Comer massa com sardinha, servida por funcionários, em cremeiras, com colher, no meio da manhã ou da tarde, no pátio ou na sala de aula, sem a presença do professor”, coloca características diferentes de “comer arroz-feijão-carne-salada-sobremesa, em pratos, com garfo e faca, servindo-se em sistema de buffet, refeitórios, próximo ao meio - dia, com acompanhamento do professor.” No primeiro caso, o conteúdo simbólico servido ao aluno está a lhe dizer que, porque ele é pobre e não tem comida em casa, a escola está – às vezes de forma contrariada e do jeito que pode – lhe oferecendo uma refeição. Portanto, não importa se na nossa sociedade comida salgada se como no almoço ou no jantar, em pratos, com garfo e faca; não importa também se não lhe oferecem frutas e verduras, tal como lhe ensinam ser saudável nas aulas de ciências. Afinal ele deve agradecer aos governantes por essa possibilidade de se alimentar e deve entender que existem cidadãos e cidadãos. Na Segunda forma de tratar a merenda acima caracterizada, a alimentação escolar constrói-se como garantia dos direitos elementares do cidadão. Através dela, transmite-se de forma implícita aos alunos que todos têm direito a se alimentar adequadamente do ponto de vista nutricional e a fazer do momento da refeição um espaço sociocultural de convivência e prazer.

CONTEXTO:
    A partir de todas as constatações, é preciso questionar a merenda escolar. Em primeiro lugar, é necessário desvinculá-la dos falsos e inatingíveis objetivos de constituir-se em solução para a desnutrição e o fracasso escolar. Recolocando o problema, precisamos superar a concepção segundo a qual a merenda existe apenas porque as crianças são pobres e podem estar desnutridas. No Brasil, entretanto, o programa de alimentação escolar ganha uma dimensão social maior à medida que, em face da pobreza e da miséria de significativos contingentes da população, cresce o número de crianças que vão à escola em jejum e que se alimentam em casa de maneira insatisfatória. Para muitos alunos das escolas brasileiras, a merenda é sua única refeição diária. Diante dessa realidade, é comprovado que a merenda pode influenciar positivamente no rendimento escolar, pois agindo sobre a fome do dia, aumenta a capacidade de concentração nas atividades escolares.

PERSPECTIVAS:
    Em face da condições de vida da maioria da população brasileira, a política de merenda escolar, para se constituir em garantia do direito elementar dos cidadão a uma alimentação adequada, não pode se restringir aos seus objetivos tradicionalmente consagrados: não basta atender 15% das necessidade nutricionais diárias dos alunos e fornecê-la no intervalo das aulas, pois assim, não atua adequadamente sobre a fome do dia. Cria-se, assim, ima aparente contradição. A merenda só pode deixar de ser comida para carente se as políticas públicas de alimentação escolar, reconhecendo a situação de pobreza e miséria da maioria dos alunos da escola brasileira, garantirem o fornecimento de mais de uma refeição diária, sendo uma delas administrada quando a criança entra na escola.
    Nos países desenvolvidos, a alimentação distribuída no período da escola constitui uma prática não questionável. Japão, França, Canadá possuem programas de alimentação escolar  com o único objetivo de atender à criança – tendo como concepção que a alimentação escolar reflete um estado de cidadania.
Em contraste, no Brasil vivemos ainda um estado de não – cidadania, regido por carências e privilégios. Onde predominam privilégios, por princípio, não há direitos, que só existem quando se estendem a todos. Por outro lado, onde há privilégios, existe seu reverso obrigatório, as carências. (Chauí, 1995).
    Assim, muito do que se tem discutido acerca da merenda revela esta forma de pensamento. Ainda se estende a merenda como voltada à carência. E, paradoxalmente, em um país onde ela adquire mais um significado, pela situação concreta de fome.
    É lógico que, mesmo que se transforme o programa de alimentação escolar, em termos de objeto de uso político, atingindo-se a concepção de que é importante, apenas porque a criança tem o direito de se alimentar enquanto está na escola, por muito tempo continuará servindo para matar a fome de muitas crianças. Porém, a mudança de mentalidade pode significar uma diferença quantitativa não somente do programa, mas da própria concepção da sociedade, ou melhor da sociedade que queremos e de como conquistá-la.

ENTREVISTA COM MARIZA ABREU
A partir de três pressupostos:
A. A escola pública como garantia dos direitos dos cidadãos
B. Uma escola sendo um espaço para uma vivência global
C. A materialidade da escola
1. Na tua opinião, qual deve ser o papel da alimentação escolar na escola pública de qualidade?
2. Em que medida a política pública de alimentação escolar pode superar o caráter assistencialista de merenda para alunos carentes e se constituir em garantia de direitos de todos a uma alimentação adequada?
3. De que forma a merenda escolar pode incorporar-se ao currículo escolar, constituindo-se em uma atividade pedagógica dentro de uma escola que não se restringe unicamente à transmissão de conhecimentos, mas que se propões a oportunizar uma vivência global a seus alunos?
4. Qual é a materialidade necessária ao serviço escolar no interior das escolas do sistema público de ensino, para que ele possa desempenhar o papel da escola pública de qualidade para classes populares?
5. Quais as atribuições da FAE?
6. PNAE, podes explicar o objetivo deste programa?
7. A descentralização do PNAE, a chamada municipalização da merenda escolar, constitui um programa em aplicação com sucesso, ou se desenvolve com restrições, ou se encontra adaptação? Como se situa esta descentralização no contexto das escolas públicas?
8. Existe uma defasagem entre o objetivo e a execução do PNAE com os conveniados da FAE (n.º oficial de alunos é diferente do n.º de beneficiários da merenda escolar). Como isto se estabelece e porquê?
9. Quais as medidas para modificar o fato de que o programa de alimentação escolar oscile entre dois pólos opostos: ou se caracteriza como uma prática assistencialista de merenda escolar para carentes ou assume a feição de uma prática vinculada aos direitos da cidadania?
10. O Brasil, como país de profundas desigualdades sociais, se encontra em um dilema no sistema de assistência alimentar que se estabelece assim: ou retorna a um programa focalizado que prevê a diminuição do papel e compromisso do Estado, ou mantém o caráter universal de seu programa e avança em sua formulação para garantir a todos o direito de uma alimentação adequada.
Neste panorama com dois pólos, qual o caminho que está sendo tomado atualmente pela política brasileira?

CONCLUSÃO:
    A escolha da escola como local alternativo para atacar o problema da fome só pode se colocar junto com a reivindicação de preservação de sua função pedagógica diante da aprendizagens da criança. Se a criança for à escola para se alimentar, não importando a qualidade da ação pedagógica, estará sendo substituída uma deficiência por outra, preservada a exclusão social. Substitui-se falta de alimentos pela falta de ensino – aprendizagem.
    A entrada dessas crianças na escola, mais que o acolhimento de suas necessidades biológicas, precisa estar relacionado ao acolhimento de suas necessidades de cidadania (necessidades pedagógicas próprias às escolas, enquanto função social) e à produção de processos individuais, coletivos e institucionais que proponham à escola a cidadania e as relações ético – políticas.
    Ao privilegiar a alimentação em seu aspecto biológico, desqualificando seu conteúdo socioantropológico, a escola renega sua função pedagógica de criação de sentido, de estabelecimento de desafios à consciência e à apropriação do social como reconhecimento dos direitos de cidadania de ampliação desses direitos pela transformação das condições de miséria. O que transforma o social não é o reconhecimento da condição de miséria, mas as ações construtivas de uma sentimento coletivo de direitos sociais.
    Se, de um lado, a falta de alimentos aprisiona as disponibilidades biológicas às sensações da fome; de outro lado, a eliminação da fome tem um significado que ultrapassa em muito o biológico, pois possibilita ao homem realizar-se naquilo que o diferencia do resto dos seres vivos, isto é, realizar-se na cultura, no trabalho, na criação e na ação política. (Acselrad et al.,1993).