HISTÓRICO:
Até
a década de 50 inexistia qualquer proposta sistematizada de merenda
nas escolas. As escolas organizavam, através de iniciativa particular
de cada unidade, suas caixas escolares, que forneciam alimentação
aos alunos, (todos, ou apenas os carentes, de acordo com a escola). Em
todas as escolas, a caixa era mantida por contribuição voluntária
dos alunos que podiam contribuir e firmas locais. A proposta das caixas
era, eminentemente, de cunho assistencialista, imprimindo um significado
especial, classificatório, à expressão aluno da caixa.
Na
década de 50, com o fim da guerra da Coréia e a supersafra
americana, ocorre um excedente agrícola nos Estados Unidos, que
é doado à Unicef. Parte dessa doação é
destinada ao Brasil, onde é direcionada aos programas de suplementação
alimentar, vinculados ao Ministério da Saúde. É neste
contexto que é instituída, em 31/03/1955, através
do Decreto n.º 37.106, a Campanha Nacional de Alimentação
Escolar (CNAE), mais conhecida como Merenda Escolar.
A
merenda é criada, assim, enquanto programa oficial, como mais um
programa de suplementação alimentar. Esse caráter
é explicitado em seus próprios objetivos, em que se destaca
o primeiro: melhoria das condições nutricionais e da capacidade
de aprendizagem e conseqüente redução dos índices
de absenteísmo, repetência e evasão escolar. Os demais
objetivos são: aumento da resistência das crianças
às infecções; melhoria dos hábitos alimentares
dos escolares e das condições de ingresso às escolas,
através da proteção aos pré - escolares.
A
partir daí, ocorrem mudanças no programa, algumas apenas
no nome do organismo responsável, outras propondo a descentralização
e uso de alimentos in natura. Entretanto, até hoje, persistem os
mesmos objetivos de 1995.
A
merenda escolar é algo natural em ambientes escolares e que, no
Brasil, ela assume uma dimensão social devido à pobreza da
população.
Desde
o regime militar a escola foi esvaziada de uma política educacional
destinada aos setores populares, transformando-se em espaço de práticas
assistencialistas. Essa política assistencialista dos últimos
20 anos desenvolveu-se às expensas da educação, pois,
até a Constituição de 1988, a merenda escolar era
financiada com recursos destinados, nos orçamentos públicos,
à educação. A luta por verbas para a questão
do financiamento do programa foi resolvida, em nível legal, pela
Constituição Federal de 1988, que dispõe:
Art. 212. A União
aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios 25%, no mínimo da receita resultantes
de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino.
§4º. Os programas
suplementares de alimentação e assistência à
saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos
provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.
Assim encaminhada a
questão do financiamento da merenda escolar, pode se definir em
relação ao objetivo do programa em sua totalidade: a impossibilidade
do programa da merenda escolar atingir seu objetivo formal, quando se verifica
(se verifica no próprio texto legal), uma proposta de atender 15%
das necessidades nutricionais diárias dos escolares matriculados
na rede oficial de ensino do 1º grau.
Em 1990, a FAE torna
a incluir em seus objetivos do PNAE:
- Elevar o níveis
alimentares e nutricionais dos estudantes...visando a melhoria do seu rendimento
escolar e redução de evasão...
No Relatório
Anual de 1994, a FAE volta, a afirmar que o objetivo do PNAE é:
- Aumentar os
níveis de alimentação da criança com vistas
ao seu melhor rendimento escolar...(atendendo) 15% das necessidades nutricionais
diárias. (FAE, 1995 A, p.14)
ENFOQUE:
É
possível deduzir que, apesar do discurso oficial, a merenda escolar
no Brasil - na medida em que busca suprir apenas 15% das necessidades diárias,
independente do nível sócio - econômico dos alunos
- na prática só pode atender a conhecida "fome do dia", entendida
como um entrave à concentração necessária à
aprendizagem, portanto grande obstáculo à permanência
da criança na escola.
A
mentalidade subjacente à criação do programa de merenda
escolar é claramente de ordem assistencialista e voltada para problemas
da esfera da saúde. Torna-se claro, ainda, a concepção
dominante, segundo a qual as crianças não aprendem na escola
por serem desnutridas, mas são desnutridas por terem hábitos
alimentares inadequados. Essa mentalidade permeia, ainda hoje, as falas
oficiais sobre a merenda.
Ao
contrário dos países em que a merenda surge como projeto
destinado a suprir a necessidade fisiológica de todas as crianças
(desnutridas ou não, pobres ou não) de se alimentarem a intervalos
de 4 horas, no Brasil, a merenda surge propondo-se a erradicar (ou diminuir)
a desnutrição e, daí, a minimizar o fracasso escolar.
Nos demais países, é o reconhecimento de direitos das crianças;
no Brasil e demais países da América Latina, assistência
a pobres e ignorantes.
Essa
concepção imprimiu - e ainda imprime - uma marca particular
ao programa de merenda no Brasil. As discussões centram-se sobre
um mero programa assistencialista de suplementação alimentar
que para muitos nem deveria estar na escola. A CRIANÇA E SEUS DIREITOS,
QUE DEVERIAM SER O OBJETO PRIMORDIAL, PERMANECEM, MUITAS VEZES, À
MARGEM DA REFLEXÃO.
FATORES:
1- Desnutrição:
No Brasil, tem ocorrido um processo de medicalização do fracasso
escolar, ou seja, de busca de causas individuais e biológicas para
as dificuldades de aprendizagem dos estudantes. A escola exime-se da responsabilidade
pelos altos níveis de evasão e repetência do sistema
educacional brasileiro, e a desnutrição torna-se responsável
pelo fracasso escolar.
Em
1º lugar é preciso identificar de que tipo de desnutrição
se está falando. A alimentação inadequada resulta
em desnutrição, determinada pela falta de recursos financeiros
para a aquisição de alimentos na quantidade necessária
ao desenvolvimento do organismo. Não existe comprovação
científica para uma relação de causa e efeito desnutrição
= fracasso escolar.
Desnutrição
grave é aquela que atinge as crianças no início da
vida do período pré natal aos 2 anos de idade -, provocando
sérias lesões no sistema nervoso. Nesses casos, a maioria
das crianças morrem e, quando sobreviventes, raramente chegam a
ingressar na escola. Quando ocorre em graus menores ou inicie após
os 2 anos de vida, trata-se de uma desnutrição leve, que
não interfere no sistema nervoso e não provoca lesões
irreversíveis que impossibilitem a aprendizagem.
Nesses casos, o organismo sacrifica seu crescimento para manter o equilíbrio
metabólico do corpo.
Ao
tentar identificar os efeitos da desnutrição sobre a aprendizagem,
enfrenta-se um impasse metodológico, pois não é possível
analisar esses efeitos isolando a desnutrição da realidade
socioeconômica que a determina. Decorrente da pobreza, a desnutrição
faz parte de um complexo de doença social, onde a ela se somam precárias
condições de habitação, saneamento básico
e saúde, além de baixos índices de escolarização
dos pais.
É
importante assinalar que, entre os escolares no Brasil, encontram-se altas
taxas de desnutridos, mas trata-se de crianças com desnutrição
leve, que conseguem se manter em equilíbrio, mesmo com falta de
alimentos. Não havendo comprovação da interferência
da desnutrição no desenvolvimento cognitivo, sabe-se que
a fome interfere na aprendizagem. Enquanto a desnutrição
grave provoca lesões no sistema nervoso, a fome é, ao contrário,
uma situação transitória ou potencialmente transitória,
que não provoca lesões irreversíveis, mas que dificulta
a realização de qualquer atividade do ser humano. É
a chamada fome do dia, com a qual é tão difícil aprender
quanto com frio ou com vontade de ir ao banheiro.
A
partir dessas constatações, é preciso questionar a
merenda escolar. Em primeiro lugar, é necessário desvinculá-la
dos falsos e inatingíveis objetivos de constituir-se em solução
para a desnutrição e o fracasso escolar. O problema deve
ser encarado como a merenda escolar existe como algo natural em um ambiente
onde existem criança que, sendo crianças sentem fome, superando
a concepção segundo a qual a merenda existe porque as crianças
são pobres e podem ser desnutridas.
2- Importância do Estado Nutricional a partir da realidade descrita, vários estudos demonstram que a merenda escolar pode, sem promover mudanças no estado nutricional das crianças, influenciar positivamente no rendimento escolar, pois agindo sobre a fome do dia, aumenta a capacidade de concentração nas atividades escolares. Assim, a merenda permite não sentir fome durante a aula, tendo efeito saciador da fome durante o período de 4 horas em que a criança permanece na escola.
3- Rejeição dos educadores os educadores reagiram muitas vezes ao programa de merenda escolar, porque o identificavam como entrave ao ensino. A escola não é restaurante nem centro de saúde está frase sintetiza a reação. Em vez de lutar para redimensionar o programa da merenda, os professores muitas vezes passaram a se opor à existência do programa. Ao se posicionarem assim, não estavam percebendo a merenda como um direito da população, no Brasil, tornando-se imprescindível. Embora se constitua em medida paliativa que não resolve o problema social da desnutrição, a merenda escolar precisa ser mantida e melhorada, pois não se pode permitir que a criança sinta fome durante as aulas e, para muitas pessoas que vivem na miséria, a merenda pode representar o limite da sobrevivência.
4- Descentralização
- a desvinculação da merenda de falsos objetivos de
solução para a desnutrição e o fracasso escolar
e a definição de verbas para a merenda diferenciada das verbas
para a educação estão, ao menos parcialmente encaminhados:
o 1º ponto de vista teórico e o 2º do ponto de vista legal.
Os outros dois referem-se à necessidade de respeitar os hábitos
alimentares da população, incorporando-se à merenda
alimentos in natura produzidos e adquiridos no local, e a importância
de integrar a merenda ao processo educacional, implementando-a como uma
das atividade pedagógicas desenvolvidas na escola.
Portanto,
a descentralização do PNAE (Programa Nacional de Alimentação
Escolar), a chamada municipalização da merenda escolar transferiu
de fato para os municípios a deliberação, o planejamento,
a execução e a capacidade de decisão deste programa.
A partir de orientações técnicas de ordem geral, relativas
aos requerimentos nutricionais, e de listagem de gêneros que a FAE
não aceita que sejam adquiridos com os recursos por ela repassados,
são os municípios que elaboram os cardápios
a serem oferecidos aos seus alunos na merenda escolar
Desta
foram, criam-se de fato as condições não só
para o respeito aos hábitos alimentares locais e para a incorporação
de alimentos in natura à merenda, mas também para a reflexão
sobre o papel que a alimentação escolar desempenha: elemento
estranho à escola ou atividade pedagógica integrada ao currículo?
Escolarização
outra forma de descentralização da merenda, a FAE distribui
os recursos às Secretárias Estaduais de Educação
que repassa diretamente à direção de cada escola.
A própria escola faz as compras. Com estes padrões de descentralização,
o sistema de alimentação escolar no Brasil tornou-se mais
eficiente.
5- Defasagem em visita às escolas da rede pública de Porto Alegre foi constatado, em primeiro lugar, que a merenda não é servida ao conjunto dos alunos matriculados na rede pública de ensino, como prevê o programa não porque não lhes seja oferecida, mas porque nem todos os escolares recorrem ao serviço da merenda. Nas escolas estaduais visitadas, entre elas um CIEP e um CAIC, estabelecendo a relação entre o n.º de matrículas e o n.º médio de refeições servidas, encontramos uma média de 35% dos escolares atendidos. Nas escolas municipais visitadas, essa mesma relação corresponde ao percentual médio de 70% de alunos atendidos.
SISTEMAS:
1-
Programas Focalizados: são focalizados quando atendem parcela da
população, selecionam seus beneficiários a partir
de critérios sócio econômicos. Entre os países
da América Latina que possuem programas focalizados, Argentina e
Chile desenvolveram sofisticados modelos de focalização de
abrangência nacional, enquanto nas outras nações observadas
predomina a utilização de regiões como critério
de focalização (regiões mais pobres do país
ou meio rural), sendo que em alguns casos combina-se aplicação
de critérios regionais com indicadores sociais.
2-
Programas Universais: são universais quando atendem a todos os membros
da parcela da população a que se dirigem (por exemplo: todas
as crianças, todos os alunos ou idosos) ou são focalizados
quando dentro dessas parcelas, selecionam seus beneficiários a partir
de critérios sócio econômicos. Entre os países
da América Latina observados, apenas o Brasil e o Uruguai desenvolvem
programas universais de alimentação escolar; nos demais países,
esse programas são focalizados.
3-
Análise desse sistemas: a questão universalização
x focalização dos programas sociais constitui-se em tema
central de uma análise comparativa entre esses 4 últimos
países latino americanos. Enquanto na Argentina e no Chile desenvolvem-se
modelos sofisticados de focalização, através do uso
de critérios científicos e recursos tecnológicos,
no Brasil e no Uruguai desenvolvem-se programas universais que, são
questionados. No Uruguai, há divergências entre o pessoal
técnico do Departamento de Alimentação do Ministério
da Educação, que defende a focalização do programa
e o pessoal docente defende permanência do caráter universal
do programa. No Brasil, a insuficiência de recursos em face da extensa
agenda de benefícios sociais, garantidos na Constituição
Federal de 1988 e em outros documentos, recoloca o debate sobre a focalização
das ações assistenciais do governo. Em relação
à merenda, proposta à emenda à Constituição,
enviadas pela Presidência da República ao Congresso Nacional
em outubro de 1995, reforça a prioridade para a população
de baixa renda, garante como dever do Estado o atendimento do educando,
no ensino fundamental, através de material didático escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde.
Essa mudança não acarreta, necessariamente, mas possibilita,
do ponto de vista legal, a revisão do caráter universal do
programa de alimentação escolar no Brasil.
POLOS DE APLICAÇÃO
NO RIO GRANDE DO SUL:
1- Nas escolas municipais
de POA todas localizadas na periferia da cidade, em bairros e vilas populares,
a merenda é servida em refeitórios, em horários destinados
à alimentação, que não se confundem com as
aulas ou com o recreio. Nas escolas municipais regulares de 1º grau,
são oferecidas aos alunos duas refeições: uma doce
e uma salgada. A doce é servida no horário de entrada na
escola para os alunos da manhã, e para os alunos do período
da tarde no meio do turno consiste um café ou batida com pão/bolacha
e uma fruta com as devidas variações. A refeição
salgada no esquema arroz-feijão-carne-salada-sobremesa é
servida ao final do turno da manhã e na entrada do período
da tarde. Nas escolas infantis e especiais, ambas em turno integral, servem-se
de quatro refeições. Come-se a refeição salgada
em pratos com garfo e faca, no sistema de buffet. Em toda a rede, os alunos
vão ao refeitório em escalas organizadas por turmas comem,
portanto, com seus colegas, sendo os menores acompanhados pelos professores.
2- Em relação
às escolas estaduais visitadas em POA, verifica-se uma grande variedade
no que se refere ao serviço de alimentação escolar,
principalmente quando se compara com a rede municipal. Os estabelecimentos
do Estado distribuem-se em várias regiões da cidade, desde
bairros e zonas centrais até a periferia urbana.
Quanto
à merenda, primeiramente, constatamos que o local onde ela é
servida, é muito diferenciado: desde a escola onde os alunos recebem
o lanche em fila, em pé, e comem no pátio, sem lugar adequado
para sentar, até o refeitório adequadamente equipado, passando
por várias situações intermediárias. Onde não
há espaço próprio para alimentação,
surgem duas alternativas: as refeições servidas ou no pátio,
saguão, em outro local de uso coletivo da escola, ou na sala de
aula opção que muitas vezes encontra a resistência
dos professores, pois deixa a sala suja. Cerca de 40% das escolas estaduais
de POA possuem refeitório e esses refeitórios são
muito diferentes entre si: pode ser uma sala de aula com mesas e cadeiras,
onde algumas crianças, não todas as que merendam, entram
para fazer o lanche, ou pode ser um amplo refeitório construído
para esse fim, com móveis apropriados. Em uma escola, o refeitório
deixou de existir para ser transformado em sala de aula; em outra, ao contrário,
uma sala de aula foi modificada para ser refeitório. Entre as situações
intermediárias, encontramos aquela onde na entrada da escola local
de passagem, espaço amplo que serve que serve para recreio em dias
de chuva foram colocadas mesas e bancos para o momento da merenda escolar.
À
variedade de refeitórios corresponde igual a variedade de cozinhas
e equipamentos. Mais constante é a falta de funcionários
em número suficiente para desempenhar a função. Paralelo
a isso, na rede estadual de ensino em POA serve-se apenas uma refeição
(com exceção dos CIEPs e CAICs) no meio do período
de permanência do estudante na escola. São refeições
doces café com leite e bolacha, mingau, canjica, etc. alternadas
com refeições salgadas massa com sardinha, arroz carreteiro,
galinha com polenta, etc. predominam o uso da colher e a utilização
de canecas e cremeiras, embora também se usem pratos. A hora da
merenda é compartilhada com os colegas da aula e com o acompanhamento
dos regentes de classe.
Portanto,
não só não há uma unidade de execução
do programa da merenda nas escolas estaduais de POA, como não existe
uma política de alimentação escolar. Assim, a merenda
parece continuar funcionando tal como foi implementada em momentos anteriores
e a ausência de uma proposta clara de trabalho formulada e coordenada
por órgãos centrais da administração da educação
faz com que a forma e o conteúdo como a merenda é implementada
nas escolas passe a depender da boa vontade daqueles que são responsáveis
diretos na ponta do sistema.
3- Nas escolas onde
o envolvimento de todos garante um atendimento de melhor qualidade, o número
de refeições servidas em relação à matrícula
é maior do que outras escolas: em uma escola onde, por exemplo,
há refeitório e os professores acompanham os alunos menores
na hora da merenda, esse percentual atinge 78%, bem acima da média
da rede pública.
Na
realidade, a ausência de política é também uma
política. Talvez das mais perversas, pois transfere para a comunidade
escolar a responsabilidade pela organização e qualidade do
serviço oferecido. Assim reinventa-se no sistema educacional a diferença
legitimadora da desigualdade. Dessa forma, ao administrar uma rede desigual
e não formular uma política clara para garantir um mínimo
de qualidade, o poder público deixa de cumprir o seu papel
de equalizador das oportunidade sociais.
Concluindo,
a alimentação escolar da rede estadual parece continuar a
padecer dos males de uma execução centralizada do programa,
enquanto, na rede municipal, é possível constatar as novas
condições criadas por uma administração descentralizada
da merenda.
Comer massa com sardinha,
servida por funcionários, em cremeiras, com colher, no meio da manhã
ou da tarde, no pátio ou na sala de aula, sem a presença
do professor, coloca características diferentes de comer arroz-feijão-carne-salada-sobremesa,
em pratos, com garfo e faca, servindo-se em sistema de buffet, refeitórios,
próximo ao meio - dia, com acompanhamento do professor. No primeiro
caso, o conteúdo simbólico servido ao aluno está a
lhe dizer que, porque ele é pobre e não tem comida em casa,
a escola está às vezes de forma contrariada e do jeito
que pode lhe oferecendo uma refeição. Portanto, não
importa se na nossa sociedade comida salgada se como no almoço ou
no jantar, em pratos, com garfo e faca; não importa também
se não lhe oferecem frutas e verduras, tal como lhe ensinam ser
saudável nas aulas de ciências. Afinal ele deve agradecer
aos governantes por essa possibilidade de se alimentar e deve entender
que existem cidadãos e cidadãos. Na Segunda forma de tratar
a merenda acima caracterizada, a alimentação escolar constrói-se
como garantia dos direitos elementares do cidadão. Através
dela, transmite-se de forma implícita aos alunos que todos têm
direito a se alimentar adequadamente do ponto de vista nutricional e a
fazer do momento da refeição um espaço sociocultural
de convivência e prazer.
CONTEXTO:
A
partir de todas as constatações, é preciso questionar
a merenda escolar. Em primeiro lugar, é necessário desvinculá-la
dos falsos e inatingíveis objetivos de constituir-se em solução
para a desnutrição e o fracasso escolar. Recolocando o problema,
precisamos superar a concepção segundo a qual a merenda existe
apenas porque as crianças são pobres e podem estar desnutridas.
No Brasil, entretanto, o programa de alimentação escolar
ganha uma dimensão social maior à medida que, em face da
pobreza e da miséria de significativos contingentes da população,
cresce o número de crianças que vão à escola
em jejum e que se alimentam em casa de maneira insatisfatória. Para
muitos alunos das escolas brasileiras, a merenda é sua única
refeição diária. Diante dessa realidade, é
comprovado que a merenda pode influenciar positivamente no rendimento escolar,
pois agindo sobre a fome do dia, aumenta a capacidade de concentração
nas atividades escolares.
PERSPECTIVAS:
Em
face da condições de vida da maioria da população
brasileira, a política de merenda escolar, para se constituir em
garantia do direito elementar dos cidadão a uma alimentação
adequada, não pode se restringir aos seus objetivos tradicionalmente
consagrados: não basta atender 15% das necessidade nutricionais
diárias dos alunos e fornecê-la no intervalo das aulas, pois
assim, não atua adequadamente sobre a fome do dia. Cria-se, assim,
ima aparente contradição. A merenda só pode deixar
de ser comida para carente se as políticas públicas de alimentação
escolar, reconhecendo a situação de pobreza e miséria
da maioria dos alunos da escola brasileira, garantirem o fornecimento de
mais de uma refeição diária, sendo uma delas administrada
quando a criança entra na escola.
Nos
países desenvolvidos, a alimentação distribuída
no período da escola constitui uma prática não questionável.
Japão, França, Canadá possuem programas de alimentação
escolar com o único objetivo de atender à criança
tendo como concepção que a alimentação escolar
reflete um estado de cidadania.
Em contraste, no Brasil
vivemos ainda um estado de não cidadania, regido por carências
e privilégios. Onde predominam privilégios, por princípio,
não há direitos, que só existem quando se estendem
a todos. Por outro lado, onde há privilégios, existe seu
reverso obrigatório, as carências. (Chauí, 1995).
Assim,
muito do que se tem discutido acerca da merenda revela esta forma de pensamento.
Ainda se estende a merenda como voltada à carência. E, paradoxalmente,
em um país onde ela adquire mais um significado, pela situação
concreta de fome.
É
lógico que, mesmo que se transforme o programa de alimentação
escolar, em termos de objeto de uso político, atingindo-se a concepção
de que é importante, apenas porque a criança tem o direito
de se alimentar enquanto está na escola, por muito tempo continuará
servindo para matar a fome de muitas crianças. Porém, a mudança
de mentalidade pode significar uma diferença quantitativa não
somente do programa, mas da própria concepção da sociedade,
ou melhor da sociedade que queremos e de como conquistá-la.
ENTREVISTA COM MARIZA
ABREU
A partir de três
pressupostos:
A. A escola pública
como garantia dos direitos dos cidadãos
B. Uma escola sendo
um espaço para uma vivência global
C. A materialidade da
escola
1. Na tua opinião,
qual deve ser o papel da alimentação escolar na escola pública
de qualidade?
2. Em que medida a política
pública de alimentação escolar pode superar o caráter
assistencialista de merenda para alunos carentes e se constituir em garantia
de direitos de todos a uma alimentação adequada?
3. De que forma a merenda
escolar pode incorporar-se ao currículo escolar, constituindo-se
em uma atividade pedagógica dentro de uma escola que não
se restringe unicamente à transmissão de conhecimentos, mas
que se propões a oportunizar uma vivência global a seus alunos?
4. Qual é a materialidade
necessária ao serviço escolar no interior das escolas do
sistema público de ensino, para que ele possa desempenhar o papel
da escola pública de qualidade para classes populares?
5. Quais as atribuições
da FAE?
6. PNAE, podes explicar
o objetivo deste programa?
7. A descentralização
do PNAE, a chamada municipalização da merenda escolar, constitui
um programa em aplicação com sucesso, ou se desenvolve com
restrições, ou se encontra adaptação? Como
se situa esta descentralização no contexto das escolas públicas?
8. Existe uma defasagem
entre o objetivo e a execução do PNAE com os conveniados
da FAE (n.º oficial de alunos é diferente do n.º de beneficiários
da merenda escolar). Como isto se estabelece e porquê?
9. Quais as medidas
para modificar o fato de que o programa de alimentação escolar
oscile entre dois pólos opostos: ou se caracteriza como uma prática
assistencialista de merenda escolar para carentes ou assume a feição
de uma prática vinculada aos direitos da cidadania?
10. O Brasil, como país
de profundas desigualdades sociais, se encontra em um dilema no sistema
de assistência alimentar que se estabelece assim: ou retorna a um
programa focalizado que prevê a diminuição do papel
e compromisso do Estado, ou mantém o caráter universal de
seu programa e avança em sua formulação para garantir
a todos o direito de uma alimentação adequada.
Neste panorama com dois
pólos, qual o caminho que está sendo tomado atualmente pela
política brasileira?
CONCLUSÃO:
A
escolha da escola como local alternativo para atacar o problema da fome
só pode se colocar junto com a reivindicação de preservação
de sua função pedagógica diante da aprendizagens da
criança. Se a criança for à escola para se alimentar,
não importando a qualidade da ação pedagógica,
estará sendo substituída uma deficiência por outra,
preservada a exclusão social. Substitui-se falta de alimentos pela
falta de ensino aprendizagem.
A
entrada dessas crianças na escola, mais que o acolhimento de suas
necessidades biológicas, precisa estar relacionado ao acolhimento
de suas necessidades de cidadania (necessidades pedagógicas próprias
às escolas, enquanto função social) e à produção
de processos individuais, coletivos e institucionais que proponham à
escola a cidadania e as relações ético políticas.
Ao
privilegiar a alimentação em seu aspecto biológico,
desqualificando seu conteúdo socioantropológico, a escola
renega sua função pedagógica de criação
de sentido, de estabelecimento de desafios à consciência e
à apropriação do social como reconhecimento dos direitos
de cidadania de ampliação desses direitos pela transformação
das condições de miséria. O que transforma o social
não é o reconhecimento da condição de miséria,
mas as ações construtivas de uma sentimento coletivo de direitos
sociais.
Se,
de um lado, a falta de alimentos aprisiona as disponibilidades biológicas
às sensações da fome; de outro lado, a eliminação
da fome tem um significado que ultrapassa em muito o biológico,
pois possibilita ao homem realizar-se naquilo que o diferencia do resto
dos seres vivos, isto é, realizar-se na cultura, no trabalho, na
criação e na ação política. (Acselrad
et al.,1993).